Onde o cuidado começa antes da cura: Leonardo Costa Pereira e o ofício de impedir que a tragédia continue



Enquanto o mundo assiste aos desastres pela televisão, ele pisa onde o chão ainda cede. Um fisioterapeuta entre escombros, cães e vidas por reerguer — com um saber que começa antes do hospital e termina muito depois do resgate.

Há um momento — fugaz, quase invisível — entre o grito e o socorro, entre o desabamento e a primeira respiração aliviada. É nesse intervalo, onde a maioria ainda está paralisada, que Leonardo Costa Pereira já está ajoelhado no chão.

Ele não chega depois. Ele está.

A lama ainda não secou, os rostos ainda não foram identificados, os helicópteros ainda desenham círculos no céu — e Leonardo já está com as mãos sobre um corpo trêmulo, guiando um suspiro, reposicionando um membro, evitando que a tragédia se prolongue dentro da carne.

Formado em fisioterapia antes mesmo de vestir a farda de bombeiro militar, Leonardo é o tipo de presença que desafia a lógica linear do cuidado. Ele não espera o hospital. Sua sala de atendimento é o barro e os escombros. Seus equipamentos, o que couber na mochila. Sua linguagem, o silêncio exato entre a dor e o gesto.

“Se você espera tudo estabilizar para cuidar, já perdeu tempo — e às vezes, a chance de alguém voltar a andar, respirar ou falar direito”, diz sem a menor pressa, como quem já assistiu de perto o que é a pressa errada.

Em mais de 15 anos de atuação, ele se infiltrou — com delicadeza e urgência — em alguns dos piores capítulos recentes do Brasil: Mariana, Brumadinho, Rio Grande do Sul. Também cruzou oceanos rumo à Turquia e a Moçambique, onde, entre destroços e idiomas estranhos, ofereceu o que poucos sabiam nomear, mas todos sentiam: continuidade.

Porque Leonardo não apenas resgata — ele devolve.

Enquanto os olhos do mundo se voltam para os números e as imagens dramáticas, ele foca no corpo que treme sob cobertores molhados, na vítima que ficou sentada torta por horas esperando socorro, no cuidador que precisa saber como imobilizar sem ferir mais. Ele ensina, respira junto, adapta. E quando não há tempo para protocolos, ele cria linguagem com as mãos, com o olhar, com a escuta.

Mas sua atuação não termina onde termina o desastre.

Em comunidades esquecidas, Leonardo trocou a sirene pela pata. Desenvolveu um projeto de terapia assistida por cães voltado a crianças neurodivergentes, onde os animais — treinados inicialmente para encontrar vítimas soterradas — aram a encontrar, agora, silêncios infantis. Aqueles que não falam, mas sentem. Aqueles que não se movem, mas escutam. E, aos poucos, começam a responder.

“Tem criança que nunca olhou no olho de ninguém. Aí o cachorro deita perto… e, no dia seguinte, ela sorri. É isso. Essa é a resposta”, conta, com a voz de quem viu isso mais de uma vez.

Leonardo forma professores, treina cuidadores, orienta líderes comunitários. Ensina como um toque errado pode doer mais que o trauma. Mostra que o cuidado técnico não precisa ser frio — e que o carinho não precisa ser improvisado

Ele não prega a improvisação romântica, tampouco o heroísmo. O que defende é outra coisa: o preparo com alma, a ciência aplicada no campo real, a ética do gesto certo no tempo exato. Sua fisioterapia é uma espécie de escudo invisível que se ergue em meio ao caos, impedindo que as consequências sejam piores do que já são.

E talvez seu maior feito seja este: provar que o cuidado não é um estágio tardio, mas uma urgência sutil. Que um fisioterapeuta pode, e deve estar entre a pedra que cai e a vértebra que se quebra, entre o resgate e a reconstrução. Que há ciência no meio do barro. E que há dignidade possível mesmo no epicentro da dor.

Leonardo não tem pressa de ser celebrado. Seu nome talvez não estampe outdoors. Mas seus gestos, suas escolhas, seu modo de estar — esses estão escritos no corpo de quem, graças a ele, voltou a caminhar. Mesmo que ninguém saiba.

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