As luzes e os sons da tela da TV foram fundamentais, a partir dos anos 1950, para uma tentativa de apagamento de raízes, da cultura e da pluralidade racial no Brasil. O alerta é do professor Richard Santos, que lançou neste mês o livro Mídia, Colonialismo e Imperialismo Cultural (Editora Telha, 246 páginas).
Em suas pesquisas, ele aponta que, desde o início, a televisão no Brasil recebeu apoio financeiro e técnico dos Estados Unidos, e isso acabou prejudicando a comunicação nacional.
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Em entrevista à Agência Brasil, o pesquisador diz que o país vivenciou uma “dominação colonial” pelos meios audiovisuais. Para o pesquisador em comunicação, que é pró-reitor de extensão e cultura da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e criou o curso de jornalismo na instituição, os veículos televisivos herdaram uma forma de fazer de rádio, mas não a pluralidade cultural que o veículo mais antigo protagonizou.
Para ele, um problema é que a gestão das TVs ainda é majoritariamente branca, o que prejudica uma efetiva pluralidade de representação nos meios de comunicação. Richard Santos, que foi pioneiro do rap nacional, entende que há necessidade de regulamentação dos meios para fazer valer o que diz a Constituição e que a comunicação pública deve ser o caminho para uma mudança de cenários.
Confira abaixo a entrevista
Agência Brasil: Professor, o senhor tem pesquisado a televisão e o racismo impregnado no Brasil?
Richard Santos: Eu tenho uma série de pesquisas que se desdobraram em livros, como é o caso do “Branquitude e televisão: a nova África (?) na TV pública”. Tem o “Maioria minorizada: dispositivo analítico de racialidade”, no qual eu desenvolvo a proposta do conceito para compreender como a televisão criou um imaginário subalternizador de uma maioria que é minoria no o a direitos e serviços públicos de qualidade.
E, nesse terceiro trabalho, o “Mídia, colonialismo e imperialismo cultural”, eu faço uma análise de como a gente ainda tem uma televisão sob o signo da dominação colonial.
Agência Brasil: O que é essa dominação colonial?
Richard Santos: Quando a gente criou a televisão no Brasil, o país recebeu toda a cooperação técnica e financeira estadunidense. A gente também recebeu diretrizes, normas de como fazer televisão no Brasil.
Eram normas e diretrizes baseadas na realidade dos Estados Unidos daquele momento: branca, segregacionista e com a supremacia branca imperando.
E a gente aplica isso aqui no Brasil. Muito recentemente, a gente tem tido uma discussão maior na sociedade e temos visto a ascensão de novos protagonistas, de novos personagens que trazem na estética, na frente da tela, uma pluralidade étnico-racial. Mas que isso ainda não é visto nos cargos de diretoria e de comando. Naqueles casos que são decisivos para o encaminhamento dos meios de comunicação.
Agência Brasil: O que isso gera?
Santos: Eu chamo de imperialismo cultural. Quando a gente não tem esses órgãos combinados de maneira plural, a a haver a impossibilidade de termos também uma produção de signos que representem esse Brasil com as suas várias nuances culturais e estéticas plurais.
Então a gente vai reproduzir aquilo que ainda está baseado no modelo euro-estadunidense de fazer o audiovisual. Nas redes sociais, também há um modelo do audiovisual feito nessas plataformas sociais. Há uma televisão reinventada para esses novos aparelhos.
A estética e a comunicação são da televisão.
Agência Brasil: Voltando nessa linha do tempo, a nossa formação do modelo de TV já nasce com essa predisposição de não valorizar o nosso povo?
Santos: Perfeitamente. Eu faço uma comparação entre a televisão no Brasil e na Argentina. A princípio pegando dois países tão distantes, tão diferentes… Culturalmente sim, mas efetivamente essa disparidade cultural não se concretiza (na TV).
A televisão serve para expandir o que eles chamavam de política da boa vizinhança. Não é que nasce negando a cultura brasileira. Ela nasce afirmando uma cultura que se queria moderna, farol da prosperidade que seria a cultura estadunidense.
Agência Brasil: No Brasil, a TV herdou influências do rádio, não é?
Santos: Você tinha uma rádio com as grandes vozes, com os grandes locutores, vozes negras. A gente tem outros dados de estudos que vão constar que esses profissionais do rádio não migram para a televisão e não migram para a televisão porque aqueles que comandam a televisão não têm interesse nas suas imagens postas na tela. Isso porque estariam em desacordo com os interesses da grande indústria que queria branquear o país.
Agência Brasil: Então, a TV herda um modo de fazer, mas não a cultura propriamente dita?
Santos: Isso. A gente aprende na faculdade que até a vírgula a TV herdou da rádio. Herdou, na verdade, o modelo de comunicação, mas deixou de lado a estética.
E quando você recorda as grandes vozes do rádio, sejam elas mulheres ou homens, você está falando de pessoas não brancas. Com a ascensão da televisão, vão ar quando possível, por um processo de branqueamento da sua imagem e posteriormente de apagamento. Aos poucos, vão desaparecendo e dando espaço para pessoas e artistas produzidos de acordo com os interesses da indústria cultural.
Agência Brasil: Na segunda metade do século 20, Brasil e Argentina estão entre os países da América do Sul que am por ditaduras militares. Isso ocorre na década seguinte à chegada da TV. De que forma, professor, isso piora ainda mais essa situação de dominação que o senhor descreve?
Santos: No livro, tem um capítulo sobre esse tema porque as ditaduras latino-americanas vão silenciar os movimentos sociais, seja no âmbito da pluralidade da comunicação, seja no âmbito do próprio movimento negro, mais especificamente, proibindo manifestações que atentassem contra a identidade pátria. Atentar contra a identidade pátria no Brasil era atentar contra o jeito da ditadura que dizia que a gente vivia numa democracia racial. Queriam que acreditássemos que estávamos numa democracia racial onde todos tinham oportunidades iguais e o Brasil era um paraíso de convívio, de harmonia das raças.
Ninguém se debruçava para entender porque o Brasil é o país que mais mata pessoas negras. O Brasil é o país que mais mata as mulheres que não têm o ao sistema de saúde. Quando você olha no perfil racial, os executivos das grandes empresas de comunicação não são pessoas negras. Então, a ditadura serviu pra silenciar e oprimir essa necessidade de desenvolvimento social que nossos países avam.
Agência Brasil: A gente tem uma transformação no pós-ditadura? A nossa Constituição de 1988 não efetivamente alterou essa forma de ser para democratização dos meios?
Santos: Eu acredito que a gente tem uma Constituição extremamente singular e importante, mas, para além do avanço conquistado, a gente precisa de um segundo o, a regulamentação daquilo que está na Constituição: a proibição da propriedade cruzada e a proibição dos oligopólios, por exemplo. A pluralidade desse corpo midiático que temos precisa ser regulamentada. Quando você tem uma indústria comunicacional e hegemônica controlada por poucas famílias, como temos no Brasil, e essas poucas famílias com grande influência e sendo operadas também pelo mercado internacional, aí você tem uma série de conflitos de interesses políticos que travam o desenvolvimento ou o progresso no o a direitos da maioria minorizada.
Agência Brasil: Nesse contexto, qual seria o papel da comunicação pública aqui no Brasil e na Argentina para alteração desse cenário?
Santos: Acredito que só através da comunicação pública a grande massa consegue a emancipação e uma educação plural. A gente consegue uma verdadeira formação do cidadão integral. A comunicação pública deve estar livre dos interesses comerciais, das disputas de poder. Ela deve estar a serviço da formação do país, da nação que acreditamos possível e que os nossos filhos merecem.